* Luiz Henrique DiasA próxima quinta-feira, 03 de dezembro, pode entrar para a história da cultura da Foz do Iguaçu e do Paraná. Será votado na Câmara Municipal o projeto de lei, de autoria do vereador Nilton Bobato (PCdoB-PR), que cria o Sistema Municipal de Cultura e dá as bases para a construção do Fundo Municipal de Cultura. O projeto foi construído ao longo de todo o ano e passou por diversas adequações, a fim de se chegar a um texto coerente com a realidade da cidade e em ressonância com o Ministério da Cultura.
A cultura hoje, segundo dados do Ministério da Fazenda, representa 7% do PIB e produz trabalho e renda para 19 milhões de trabalhadores. O paradoxo está no terrível fato de o Ministério da Cultura, contar com menos de 0,4% do orçamento da união, expondo a visão preconceituosa com que nossos governantes sempre enxergaram a cultura, nunca vista como plenamente essencial ao desenvolvimento social e humano, no combate a desigualdade e violência.
Fazendo um breve histórico, durante a ditadura militar brasileira, com sua educação tecnicista e que privava ao cidadão o direito a pensar, o movimento cultural era tido como perversivo, ilegal e feito por radicais ao sistema. Os que produziam cultura, por outro lado, eram jovens e universitários, contrários a didatura militar, portanto, de elite. A cultura popular1 existia, mas escondida nos “guetos” das grandes cidades ou em comunidades isoladas. Após a redemocratização do país, pouco se fez pela cultura brasileira e, praticamente, nada pela cultura popular.
O primeiro sinal de mudança efetiva ocorreu no governo Collor, com a aprovação da Lei Rouanet, existente até hoje e o maior mecanismo de fomento cultural do país. A lei é elista e concentradora (hoje, 80% da verba aplicada em cultura fica na mão de menos de 3% dos beneficiados, mas já foi pior), beneficiando grandes grupos e empresas (Brasdesco, Globo, Vale), principalmente no eixo Rio-São Paulo.A lei propicia distorções da definição entre o “público” e o “privado”, uma vez que abre espaço para o marketing de empresas feito com recursos públicos.
Após a entrada de Gilberto Gil no Ministério (e posteriormente do atual ministro, Juca Ferreira), a lei começou a ser alterada e uma nova versão está pronta para ir ao congresso ainda no primeiro semestre de 2010. Durante o governo Lula, a cultura (principalmente a popular) passou a ser entendida como fonte de inclusão, desenvolvimento local e regional e redistribuição de trabalho e renda, além de seu caráter educacional, cidadão e de valorização do patrimômio material e imaterial.
Foi proposto o Sistema Nacioanal de Cultura e o Fundo Nacional de Cultura e centenas de Conferências estão acontecendo para se analisar, discutir e fazer emendas no SNC. Com o Fundo, a cultura passar a ter receita vinculada ao orçamento, de dotação obrigatória, como acontece com a educação e saúde. Fala-se em 2%, mas pode chegar a 2,5% conforme a articulação dos agentes culturais. Com a aprovação do Sistema Nacional de Cultura, do Fundo de Cultura e da nova lei de Fomento (ou novas), os estados e municípios deverão entrar em ressonância com o Ministério, organizando seus Sistemas (Estadual e Municipal), seus Fundos e os Conselhos de Cultura, fiscalizadores das políticas culturais e, em muitos casos, gestores dos Fundos. Tramita também no Congresso, o projeto do Vale-Cultura, importante para o acesso das camadas mais baixas aos produtos culturais, principalmente em grandes cidades. Os estados e municípios que não se organizarem, ficarão sem verba federal para cultura e precisarão vencer a pesada burocracia das leis de financiamento cultural para investimento cultural.
Foz do Iguaçu deve fazer parte de todo esse processo histórico. Pensando nisso, alguns grupos, políticos e cidadãos, ligados ao setor, estão organizando ações (orquestradas ou isoladas) para garantir o cumprimento dos prazos e metas. Desde 2009, o movimento cultural da cidade pedia a criação do Sistema Municipal de Cultura (SMC), vinculado à realidade do município e dentro dos parâmetros exigidos pelo Ministério. No primeiro semestre, foi apresentado o projeto do Sistema Municipal de Cultura, projeto de autoria do vereador e escritor Nilton Bobato. O texto, produzido sob a orientação técnica de Juca Rodrigues, foi construído com auxílio de diversos membros do movimento e colaboradores de diversas áreas (como gestão pública, finanças e jurídica) e, após passar meses em análise pelo poder executivo, chega à Câmara nesta quinta-feira, para ser votado e, se aprovado, volta à Prefeitura para regulamentação.
O SMC de Foz do Iguaçu, mesmo antes de aprovado, já é um dos mais avançados do país. Busca atender áreas estratégicas como cultura popular, artesanato gerador de renda e a valorização do patrimônio material e imaterial, além de propor a criação de um registro único, visando a catalogação dos agentes culturais (“alfabetizados ou não”), por região, área de atuação e acesso (ou não) a financiamento cultural, a fim de permitir, a longo prazo, maior universalização ao acesso a editais, recursos e, também, consumidor cultural. O projeto de lei que cria o SMC prevê a criação do Fundo de Cultura, vinculado a fiscalização do Conselho Municipal de Cultura e ainda abre espaço para debates mais específicos como, por exemplo, a renovação da Lei do Patrimônio.
A gestão cultural deve saber o caminho a ser seguido, uma escolha entre a eletização cultural ou o acessso universal (direito constitucional). Gerir cultura é entrar em uma grande e complexa sala de espelhos onde podemos compreender nossa própria essência ou, se não tomarmos cuidados, apreciar nosso terrível ego. O Sistema Municipal de Cultura é mais um canal de desenvolvimento social à cidade. Sua aprovação vai além dos votos dos vereadores, exige empenho de todos para que, depois de aprovado, tenha sua efetiva implementação.
1 - entenda aqui “cultura popular” como sendo as manifestações, individuais ou em grupo, folclóricas, religiosas ou afins, organizadas sem fins comerciais.
* Luiz Henrique Dias é escritor, produtor cultura, ator e estudante de Arquitetura e Urbanismo.